Ele estava muito excitado. Era o seu amigo de Coimbra, o professor Forninho. Os minutos passavam e aquele diálogo apaixonante e tão íntimo era digno de figurar nos anais do anedotário indígena.
__Sabe__ dizia ele com entusiasmo desmedido__ eu quero que essa obra fique nos anais como a tal obra-prima imorredoira que leva diretamente ao Panteão, aquele tratado de eloquência incontestável, enfim, compreende-me, será a cereja em cima do bolo de toda a minha carreira recheada de êxitos e vitórias indiscutíveis.
__Sim, sim__ dizia o professor, não regateando empenhos__ pode confiar em mim. Vou caprichar, será algo de transcendente, a crítica render-se-á e o público lerá isto com avidez e veneração.
__Quero que capriche nas frases em latim, quanto mais herméticas e rebuscadas melhor. Quero que exiba aquele nefelibatismo exacerbado que vos caracteriza e vos dá aquela aura de genialidade. Terá de ser uma escrita gongórica, um rococó inteligente e digno de um intelectual topo de gama. Enfim, está a ver, deverá subir aos rankings logo de imediato sem esperar pelos favores da crítica. Mas eu tratarei disso à minha maneira...Autopublicidade é o meu trunfo.
__Pode confiar em mim__ retrucou o professor Forninho__ eu sei fazer as coisas com discrição. Depois falaremos nos mecanismos remuneratórios. Vou precisar de uma certa tecnicidade pois estou em vias de exclusividade na universidade e não quero perder regalias. Compreende...
__É óbvio que sim. Dinheiro não faltará. Discrição é precisa em igual abundância no nosso duplo interesse. Confio cegamente em si e deverá confiar em mim. A confidencialidade é o segredo do nosso negócio. Nem Deus deve saber disto, como é compreensível. Queria rapidez e excelência. Sabe que pretendo que me faça uma tradução para francês, pois quero fazer passar isto como uma obra de tese apresentada na Sorbonne. Conto consigo ou com alguém de sua inteira confiança para que o sigilo não seja violado.
__ Serei um túmulo, pode crer. As coisas devem ser perfeitas em tudo. O senhor será alçapremado ao rol dos eleitos, dos ungidos por Minerva, a crítica ficará rendida para sempre ao seu ADN literário, ao seu engenho discursivo, ao seu fascínio intelectual. Ficará para sempre na galeria dos imortais.
__Obrigado, professor__ dizia o engenheiro Aristóteles com frenesim e fervor de um devoto, aguardando o milagre. O milagre da multiplicação dos talentos. __Sabe que já dei conta aos amigos do que estou a escrever, conto consigo para não os desiludir. Use aqueles termos rebuscados, parafernálias, idiossincrasias, coisas que caem bem no ouvido desta gente ignara que se rende ao exótico, ao esotérico. Quero que fiquem todos de boca aberta, rendidos à magnificência do meu estilo, ao fulgor das minhas análises, à clarividência da minha cosmovisão, enfim, sabe que sou vaidoso, gosto de me ouvir falar na televisão, por vezes fico horas e horas contemplando as minhas entrevistas em que sou a estrela refulgente perante aqueles abúlicos e monocórdicos entrevistadores de pacotilha, incapazes de esgrimirem com o meu ego fulgurante e omnisciente; quero convencer o vulgo, mas também as pseudoelites, que por vezes, me agridem de forma insana. Esses, também, serão o alvo dessa minha lava intelectual que jorrará, tal qual uma fonte de Parnaso, aos olhos espantados dos meus acerados adversários.
__Sim, sim, senhor engenheiro. Será um murro no estômago dessa gentalha que o insulta diariamente nas redes sociais e nos blogues, sem respeito; dobrarão a cerviz de forma radical ao lerem este manancial de lucidez e de mundividência que trará delícias a todos, fazendo baixar a crista aos mais céticos, aos mais ferozes. Capricharei no tom, farei tudo o que estiver ao meu alcance para que a sua fama centuplique e suba em espiral aos céus da grandiloquência. Será, estou certo, uma estrela de primeira grandeza no firmamento da comunidade científica universal. A seu tempo tudo se confirmará, estou crente.
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