domingo, 29 de janeiro de 2017

Minha avó e o plano Marshall

Recordo ainda com ternura a fisionomia da minha avó e minha madrinha de batismo, Ana Rosa Leite. é a terceira a contar da esquerda, nesta fotografia do casamento de meus pais,. Ainda hoje falando com uma pessoa do lugar de Barros __ Sr Horácio Pereira , da Casa do Largo__ me dizia que se não fosse ela, talvez nem existisse. Contou-me um episódio revelador da generosidade e do humanismo que era a sua imagem de marca. Eram célebres as suas dádivas aos pobres da terra. quando matava porcos, era uma festa. Toda a gente necessitada ia lá buscar papas e até fêveras quentes e gostosas. No Natal eram dezenas de pessoas a pedir vinho para a ceia. todos eram contemplados. Havia uma pipa ou duas para distribuír vinha gratuitamente pelos  mais carenciados.
Contou-me o Sr Horácio Pereira, que foi com  a ajuda dela que uma cabra foi oferecida para lhe dar o leite pois a mãe era muito pobre e era "filho de namoro" como naquela altura se dizia. O pai biológico era um conhecido e abastado agricultor, mas como assumir a paternidade era algo de muito escandaloso na época, o jovem  ficou à mercê da caridade. A minha avó, Ana Rosa Leite, teve várias intervenções no sentido de lhe dar uma vida condigna e fugir a uma morte quase certa.
Enfim, hoje, muitos anos volvidos, essa gratidão merece ser enaltecida. Ele, Sr Horácio, refere o seu espírito cristão, eu, talvez enalteça a filosofia humanística. Há cristãos e católicos muito devotos que têm preconceitos e talvez não fossem capazes de compreender as dificuldades de uma mãe solteira, e as vicissitudes de um "filho de namoro"! Naquela altura eram considerados "filhos do pecado"!
O motivo desta minha cronica é diferente. Quero referir o período da guerra (1939 a 1945) em que na Junqueira se passava fome e se vivia nos limites. A taxa de mortalidade infantil era elevada e até nos adultos os suicídios eram frequentes. A causa principal era a crise e as dificuldades de sobrevivência. A peste. chamada "pneumónica" ou "espanhola", matou milhares de pessoas, sabe-se que morreu mais gente do que na guerra de 1914-1918. O meu av^, foi uma das vítimas.
Perguntei uma vez ao meu pai a razão de ser de muros tão altos nas propriedades agrícolas. Temos muros elevadíssimos e sem explicação plausível.
O meu pai disse-me que o que deu origem a isso foi a caridade! Muita gente vinha pedir trabalho. como na agricultura já não havia possibilidades, a minha avó dizia: «Vais fazer ali uns muros e ao fim do dia pago-te com produtos agrícolas!»
De facto, para sobreviver, e muito embora sem necessidade, foram feitos dezenas de muros altos só para ocupar as pessoas sem trabalho! Depois, ao fim do dia, a par de algum dinheiro, lá iam as batatas, as cebolas, o milho, o feijão, algum chouriço e a broa para acompanhar a sopa.
Eu disse ao meu pai:
« Então a avó  copiou a filosofia do Plano Marshall que deu emprego a muita gente e fez renascer a depauperada economia,  para reconstruír a Europa no pós-guerra?»

«Não, ela é que inspirou Marshall!" __ disse o meu pai,  com ar triunfante e orgulhoso da mãe que tinha!

Como são diferentes os muros da minha avó e os muros da cortina de ferro  ou os muros  de Donald Trump!

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