segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

A brasileira da rua das Pegas...




Viera do Brasil com o único fito de depenar o meu amigo Túlio. Mas ele  nem sequer desconfiava. Já entradote, ultrapassara a casa dos oitentas,  e, sempre bem comido e bem bebido, tinha-se na conta de um D. Juan, de um Romeu de terceira idade, muito nutrido de carnes, muito simplório, muito ego insuflado por conquistas esporádicas, mais baseadas na sua virilidade financeira do que na sua aparência física.

Sobrenutrido de carnes, mas subnutrido de  sensatez, foi ao Brasil pescar gajas. De pescador virou pescado. De predador voraz virou vítima indefesa. De algoz virou cordeiro imolado...

Ele era muito ingénuo com as mulheres. Tinha a convicção de que elas o adoravam pela sua capacidade de sedução, pelo seu charme, pelo seu glamour. Julgava-se um Pinto da Costa, esse domador de odaliscas, capaz de fazer as mulheres cirandarem à sua volta como as borboletas  que  se encandeiam com a luz. Enfim, Túlio Santos, o meu amigo,  fazia lembrar aquele personagem criado por Eça de Queiroz que se apaixonou pela espanhola Conchita e foi por ela depenado de forma tão despudorada que a nossa alma lusitana fica a sangrar...Ir "às espanholas", naquele tempo, é agora a nova moda "ir às brasileiras"!
Túlio confiava na sua astúcia, no seu porte varonil e na sua virilidade financeira,  como íman capaz de atrair corações e devoções. Mas ela, a brasileira já balzaquiana, a Pureza, tinha outras intenções, outros objetivos, outras miragens...Não, não se apaixonara por ele, mas  apenas pelo vil metal...

Ela já conhecia o segredo do cofre. Tentara várias vezes que ele lá guardasse as sua "jóias",  duas pulseiras a imitar prata, mas lata pura, e conseguira obter essa bênção. Era só dar o golpe fatal...

Ela levava-a a passear com uma matrona leva o seu cachorro de estimação a fazer as necessidades fisiológicas. Era o Porto, era Guimarães, era Braga, era Aveiro, era Coimbra, era a Figueira da Foz ou Espinho. Ele era conduzido por ela. O seu pecúlio, arrecadado ao longo de muitos anos de labuta e de sacrifício,   ia diminuindo a olhos vistos; Ele,  Túlio, ia-se queixando aos amigos, preocupado, vendo aquele movimento uniformemente acelerado rumo ao abismo, mas não tinha coragem de por fim ao romance. Enfim romance é um eufemismo que nua e cruamente significava extorsão pura. Ele transformara-se num cachorro levado à trela pela Pureza, a brasileira de Fortaleza,  por quem se deixara seduzir.

Na rua das Pegas não se falava de outra coisa. O Túlio, o Túlio Santos , estava a ficar completamente dominado por aquela fera, aquela brasileira oportunista que lhe ia depenando as economias como um vampiro sugando o sangue das suas presas. Ele era o alvo número um da chacota e do anedotário local. Túlio, o Santo da Pureza imaculada! Um idiota chapado, mas convencido de ser um D. Juan!!!

E pouco depois a panelinha do mexerico entrou em ebulição explosiva!

Ela pedira-lhe para regressar ao Brasil... por uns tempos.

Ele, já fartinho de ser sugado até à medula, aceitou o alvitre. Levou-a de bom grado ao aeroporto. Pensava até, quando ela estivesse em terras de Vera Cruz, pedir-lhe para não regressar...O saque estava a arruiná-lo e não via fim para aquilo.

Depois de a levar ao aeroporto Sá Carneiro, feliz da vida, sem um peso enorme na consciência, regressou a casa.

Foi aí que deu pelo roubo; ela tinha-o depenado até ao último cêntimo. Abrira-lhe o cofre, levara as barras de ouro, os dólares, as economias furtadas ao sempre odioso fisco,  e até as economias do netinho, o Cristianinho, que amealhara durante anos e anos com tanto carinho...
Pega safada!
Pensou suicidar-se. Mas também vingar-se; ainda hoje, anda confrontado com esses dois sentimentos, meio tonto, meio alucinado, percorrendo de lés a lés a rua das Pegas...

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